Um garoto de onze anos chamado Rudolph Miller — o jovem Gatsby — se rebela contra o pai “incompetente” e é forçado a se confessar, porém acaba mentindo. Ele conta sua história ao padre Schwartz, a quem admite ser culpado de não acreditar ser filho dos pais (uma fantasia que o próprio Fitzgerald possuía — “de que eu não era filho dos meus pais, mas de um rei que governava o mundo inteiro” — exatamente como em “Romances familiares”, de Freud). Ele troca a tristeza de ser Rudolph Miller pela suntuosidade de imaginar-se Blatchford Sarmenington. “Ao tornar-se Blatchford Sarmenington, uma suave nobreza emanou dele. Blatchford Sarmenington vivia grandes e arrebatadores triunfos.” Mas ele guarda a mentira do confessionário para si mesmo; de fato, tal qual a fantasia secreta, a mentira secreta vem a constituir sua personalidade essencial.
Cruzando uma linha invisível, ele se tornara consciente de seu isolamento — consciente de que a solidão se aplicava não só aos momentos em que era Blatchford Sarmenington, mas a toda a sua vida interior. Até então, esse fenômeno, composto de ambições “loucas” e pequenos medos e vergonhas, havia sido uma reserva pessoal, ignorada pelo trono de sua alma oficial. Agora ele percebia inconscientemente que suas reservas pessoais eram ele mesmo — sendo todo o resto uma fachada de enfeites e uma bandeira de convenções. A pressão do ambiente o conduzira ao mundo secreto e solitário da adolescência.
Com efeito, o garoto está rejeitando o pai biológico e rebelando-se contra o pai espiritual, como se afirmasse: o mais importante é que sou essencialmente minhas “reservas pessoais” — minhas recusas, meus repúdios, minhas fantasias e, sim, minhas mentiras culpadas. Se você quiser a mim, não chame por Rudolph Miller. Chame por Blatchford Sarmenington. Chame por Jay Gatsby.
Contudo, o aspecto mais interessante da história é o estado curiosamente perturbado do padre Schwartz. (Não me preocupo aqui em relacionar, de forma especulativa, sua figura à gente como o padre Sigourney Webster Fay, que sem dúvida teve grande influência sobre o católico Fitzgerald. André le Vot fez isso muito bem na biografia F. Scott Fitzgerald, Penguin, 1983.) No início do conto, o padre fica nitidamente perturbado pela “loucura cálida das quatro horas” — uma “terrível dissonância” composta do farfalhar de garotas suecas, luzes amarelas, aromas doces e os trigais de Dakota, que são “terríveis de olhar”. Após ouvir o relato do garoto, o padre irrompe num monólogo apreensivo, que é confuso, se não insano.
Quando muita gente se reúne nos melhores lugares, as coisas reluzem […]. O segredo é pôr um monte de gente no centro do mundo, onde quer que ele esteja. Então, […] as coisas reluzem […]. Minha teoria é que, quando um bocado de gente se reúne nos melhores lugares, as coisas reluzem o tempo todo […] Você já foi a um parque de diversões? […] É tipo uma feira, mas muito mais reluzente. Vá a um parque à noite e fique um pouco afastado dele, num lugar escuro — sob árvores frondosas. Você verá uma enorme roda de luz girando no ar, e uma fila comprida de barcos cruzando a água. Haverá uma banda tocando em algum lugar, além do cheiro de amendoim — e tudo cintila. Mas você não vai se lembrar de nada parecido, sabe. Tudo ficará pairando no ar como um balão colorido — como uma lanterna amarela num poste […]. Mas não se aproxime […]. Porque, se o fizer, sentirá apenas o calor, o suor e a vida.
Essas são, de fato, as últimas palavras do padre, e podemos interpretá-las como a expressão de um delirante remorso por toda a sexualidade e glamour, o calor e as luzes que, na condição de padre celibatário, ele teve que reprimir e afastar. Mas, enquanto a trêmula expressão de avidez e excitação é estimulada pelo pensamento, pelos sentidos e pela apreensão de algum tipo de esplendor cintilante — sexual e imaterial, incandescente e transcendental — gerado pela reunião dos belos e abençoados (ou amaldiçoados), glamorosos e vistosos, num “centro” mítico e inatingível — um parque de diversões celestial —, suas palavras vêm atestar um desejo confuso e inarticulado — mas qual? Um desejo pela luz que não está na terra nem no mar? — isso se localiza no centro da obra de Fitzgerald, a fim de ser concedido ou discutido, conforme o caso. É uma espécie de neoplatonismo instintivo que brota entre os trigais infindáveis, as garotas intocáveis e o brilho ocasional de um Meio-Oeste em geral triste e deplorável.
Mas há uma diferença crucial entre a ânsia de Dexter Green em possuir as coisas deslumbrantes e o conselho do padre Schwartz de se afastar da luz ofuscante, e está precisamente na compreensão deste último de que pode ser perigoso aproximar-se demais, arruinando a visão dos prazeres terrenos (e celestiais?). Rudolph Sarmenington Gatsby é parte Green e parte Schwartz (e André le Vot mostrou o quanto Fitzgerald era cuidadoso em sua atribuição de cores — falaremos disso mais tarde). Gatsby acha que pode tomar — ou retomar — a garota deslumbrante. De fato, ele tenta transformar sua casa num centro reluzente e glamoroso só para atraí-la: “A sua casa está parecendo a Feira Mundial”, diz Nick, vendo aquela mansão “iluminada do porão ao teto”. Sabemos que, na infância, Fitzgerald ficou maravilhado com o esplendor da Exposição Pan-Americana de 1901, em Buffalo, onde havia uma “deusa da luz cujo brilho podia ser visto de lugares tão distantes quanto as cataratas do Niágara” (Le Vot, p. 27), e Gatsby também utiliza a magia da eletricidade (ele é, afinal de contas, um leitor dedicado de Benjamin Franklin) para sinalizar o que espera e acredita ser mais que uma descarga elétrica. Porém, apesar de sua dedicada ânsia por retomada e reconstituição, ele acaba desfrutando (e até experimentando) melhor seus sonhos e desejos à distância. Gatsby não fica à vontade diante da luz que ele mesmo acendeu em sua casa e costuma ser encontrado, como aconselhou o bom padre, “um pouco afastado dela, num lugar escuro”. Quando ele de fato se aproxima e encontra “o calor, o suor e a vida” — sobretudo na pessoa de Tom Buchanan, na crueza presunçosa de seu discurso, na insolência altiva de sua hipocrisia, na brutalidade de seu “corpo cruel” —, Gatsby é de fato destruído. A parte Green se foi: tudo é Schwar(t)z.
Fitzgerald concebeu O grande Gatsby no verão de 1922, mas só foi escrevê-lo no verão de 1924, quando morava na Riviera (ele revisou de forma crucial as provas em Roma, nos meses de janeiro e fevereiro do ano seguinte). É exatamente quando Nick Carraway escreve o seu livro sobre o verão com Gatsby de dois anos antes — mas então ele já está de volta ao Meio-Oeste. Fitzgerald introduziu um narrador que se encontra a meio caminho entre o próprio autor e suas indulgências oniscientes. O livro de Fitzgerald é o livro de Nick, mas Nick não é Fitzgerald, a despeito da quantidade de fragmentos biográficos que julguemos discernir. Nick é um personagem de habilidades literárias assumidamente limitadas (havia escrito apenas “uma série de editoriais muito solenes e óbvios para o Yale News”) e, quando Nick tenta descrever Gatsby, nós também lemos Nick.
Entre os escritores que admirava, Fitzgerald tinha inúmeros precedentes para a introdução do narrador. Ao discutir como um escritor pode extrair o máximo de importância de seu material, Henry James enfatiza o valor de escolher um tipo específico de narrador: “Tiramos o melhor de um assunto conforme a importância que ele tem para certos indivíduos”. Ele aponta a necessidade de se escolher um “meio reflexivo e enriquecedor” e acrescenta:
Queremos que seja claro, por Deus, mas também queremos que seja denso, e obtemos a densidade a partir da consciência humana que entretém e registra, que amplifica e interpreta […]. Os prodígios, quando manifestados diretamente, têm um efeito arriscado; por outro lado, conservam toda a sua essência quando transparecem em uma outra história — a história indispensável da relação normal de um indivíduo com alguma coisa.
Gatsby é uma espécie de “prodígio” do estilo e da pretensão — prodigiosamente bandido e romântico — e Nick é, ou assim insiste, nada além de “normal”, embora acrescente: “uma das poucas pessoas honestas deste mundo”. Gatsby é sem dúvida engrandecido — engrandecido e ofuscado — por meio da história de Nick, e Nick decerto o “amplifica e interpreta” — pode-se julgar que de forma excessiva.
Joseph Conrad fez uma de suas inovações mais importantes na arte da fic�
�ão ao introduzir e desenvolver o narrador-marinheiro Marlow, sobretudo ao tentar construir uma narrativa capaz de entender lorde Jim. Seria Jim um covarde ou um idealista? Covarde e idealista? Qual a importância e as implicações para “nós” — marinheiros, britânicos, confiáveis e decentes homens ocidentais — de suas aspirações e fracassos, sonhos e deserções? Marlow investiu muito em Jim, bem como em suas tentativas de recuperação e evolução narrativa. Sem dúvida, Jim era “um de nós”. E contudo… Mutatis mutandis, muito disso é análogo à relação entre o narrador-corretor Nick e o enigmático Gatsby. Seria Gatsby romântico ou bandido? Bandido e romântico? Quais as implicações para nós, americanos, de seus planos grandiosos e da “poeira imunda” que inevitavelmente “flutuava na superfície de seus sonhos” e de seu desafortunado despertar? Nick investiu muito — muito mesmo — em Gatsby e em sua própria tentativa escrita de recuperá-lo, ou melhor, celebrá-lo de forma elegíaca. “É uma gente ordinária. […] Você vale muito mais do que todos eles juntos.” De fato são ordinários, assim como Nick também o é — ou pelo menos é isso que nos transmite. Sem dúvida, a América pode produzir algo melhor do que os Buchanan e mais esplêndido do que os Carraway. Porém…
Não é possível avaliar até que ponto o livro é a versão de Nick. Em busca de certeza, ele reúne informações de diferentes fontes. Além da própria memória, há documentos, como o livro juvenil de Gatsby, Hopalong Cassidy, com a inscrição frankliniana “agenda” na guarda, e a lista infinitamente sugestiva do próprio Nick com os convidados de Gatsby no verão de 1922, que hoje está “esfarelando nas dobras”, sugerindo talvez a inevitável desintegração de outros repositórios de tempo — incluindo a memória do narrador. Então há o comprido relato oral dos primórdios do relacionamento entre Gatsby e Daisy, que lhe fora fornecido por Jordan Baker, e as informações sobre a vida passada de Gatsby, Dan Cody e os anos da guerra, dados pelo próprio Gatsby durante a funesta e desesperada vigília após o acidente fatal. Mas é Nick que transcreve esses relatos; não podemos saber o quanto ele reformulou e traduziu de suas fontes — transformando, embelezando, exagerando, reescrevendo. De acordo com as convenções da narrativa ficcional, quando um narrador põe o discurso de outro personagem entre aspas ou travessão, é que aquelas são as palavras exatas: ele tem a obrigação de lembrar tudo à perfeição, o que é ligeiramente implausível. Pois bem, pelas minhas contas rudimentares, cerca de 4% do livro está nas palavras do próprio Gatsby, e é revelador saber que Fitzgerald reduziu consideravelmente o montante de discurso direto dado a Gatsby no rascunho do romance. Por exemplo: “‘Jay Gatsby!’, ele gritou de súbito numa voz retumbante. ‘Lá vai o grande Jay Gatsby. É isso que as pessoas vão dizer — espere só para ver.’”. Com tais rompantes, Gatsby entregaria a si mesmo, revelando-se de forma demasiado crua e inequívoca. Por meio da subtração sistemática, Fitzgerald torna seu herói muito mais misterioso, menos óbvio, uma figura essencialmente mais elusiva. Em lugar disso, temos mais espaço para Nick teorizar, especular e imaginar — e talvez suprimir, remodelar, fantasiar.
Seu relato é sempre marcado por palavras e expressões como: “Eu suponho”, “me parece”, “eu acho”; “possivelmente”, “provavelmente”, “talvez”; “ouvi dizer”, “ele parecia dizer”, “deve ter havido”, “sou da opinião de que”, “sempre tive a impressão”. Em mais de sessenta ocasiões, ele usa as expressões “como se” e “feito” para introduzir suas próprias analogias transformadoras e metáforas metamórficas ao relato. “Talvez lhe tenha ocorrido”, ou talvez não. Nunca poderemos saber. O que sabemos é o que ocorre a Nick. Por mais que possamos nos afeiçoar ou reagir ao personagem de “Gatsby” — “o homem que dá nome a este livro”, como, é curioso notar, Nick faz questão de explicar —, devemos sempre lembrar que estamos reagindo ao retrato que Nick faz dele. Desde a primeira impressão de Gatsby (“um homem aparentemente da minha idade”) até os dias subsequentes à sua morte, quando Nick é confundido com Gatsby ao telefone e passa a nutrir um “sentimento de desafio, de desprezo solidário a Gatsby contra todos eles”, ficamos cientes da forte inclinação do narrador em se identificar com Gatsby, bem como de torná-lo herói. Por isso é tão importante para Nick ser capaz de sentir que o relato de Gatsby sobre sua vida é “a mais pura verdade”, e por isso fica feliz de ter “um daqueles instantes de restauração absoluta da fé em Gatsby que eu já experimentara antes”. Fora do horário comercial, quando está basicamente fazendo circular o dinheiro gerado pelo próprio dinheiro, Nick investe tudo em Gatsby — no seu Gatsby.
Nick se revela, ou pelo menos se descreve, como a perfeita antítese de Gatsby, como um dos “jovens homens tristes” de Fitzgerald.c (Há certa semelhança com o emocionalmente tímido Lockwood construindo sua narrativa sobre o apaixonado Heathcliff em O morro dos ventos uivantes.)
Eu conhecia os outros funcionários e corretores pelo primeiro nome e almoçava com eles em restaurantes escuros e lotados, onde pedíamos pequenas salsichas de porco, purê de batatas e café. Cheguei inclusive a ter um breve caso com uma garota de Jersey City que trabalhava na contabilidade, mas seu irmão começou a lançar olhares zangados em minha direção, e por isso deixei o relacionamento acabar naturalmente quando ela saiu de férias, em julho.
Quando se trata de envolvimento emocional ou sexual, tudo aquilo que Nick não deixa morrer naturalmente é afastado por ele próprio — como fez com um “noivado” anterior e também com Jordan Baker. Ele é um voyeur exclusivista (às vezes de forma singular: ele fala da “sensação de querer olhar diretamente para todo mundo, e ainda assim evitar todos os olhares”. Nisso ele é como a sexualmente ansiosa Isabel Archer em Retrato de uma senhora, de Henry James, que deseja “ver, mas não sentir”). No campo do erotismo, a vida imaginada é mais segura do que a vida real.
Gostava de subir a Quinta Avenida, de eleger uma entre tantas mulheres românticas na multidão e imaginar que, em alguns instantes, eu entraria em sua vida, sem que ninguém ficasse sabendo ou pudesse desaprovar. Às vezes, em minha imaginação, eu a seguia até seu apartamento na esquina de uma rua escondida, e ela virava para trás e sorria, prestes a desaparecer por uma porta na cálida escuridão. No hipnotizante crepúsculo da metrópole, eu sentia muitas vezes a solidão à minha espreita e dos outros — jovens balconistas pobres que perambulavam diante das vitrines, esperando a hora de entrar num restaurante para um jantar solitário — jovens balconistas à luz do anoitecer, desperdiçando os momentos mais intensos da vida e da noite.
Em oposição a isso — o que é sem dúvida “deplorável” —, não surpreende que Nick procure avidamente por sinais de “grandiosidade” (uma de suas palavras favoritas) na vida e no estilo de Jay Gatsby. Ele mesmo insinua ser tudo o que Gatsby não é. “Trinta anos — a promessa de uma década de solidão, uma lista cada vez menor de amigos solteiros, uma bagagem cada vez menor de entusiasmo e os cabelos também cada vez mais ralos” — menos de tudo. Em contrapartida, e talvez como forma de compensar tanto enfraquecimento e escassez, Gatsby personifica possibilidades mais vigorosas e fecundas, menos emocionalmente débeis e retraídas.
Nick é um espectador em busca de um astro. Ele vê Gatsby em termos gestuais: “Se a personalidade é uma série contínua de gestos bem-sucedidos, então havia algo de grandioso naquele homem, certa sensibilidade exaltada às promessas da vida”. Nada de salsichas de porco e purê de batatas para Gatsby, ao menos não na versão de Nick. Por outro lado, o ponto de vista preferido do narrador, contemplativo e não gestual, é sempre o marginal. Em sua primeira festa em Nova York, o instinto de Nick é “cair fora dali”, mas ele é continuamente “acossado” e “puxado de volta”. “Ainda assim, encimando a cidade, nossa fileira de janelas acesas deve ter contribuído com sua cota de segredos humanos à imaginação do observador casual naquelas ruas cada vez mais escuras, e eu podia enxergá-lo olhando para cima com verdadeiro assombro. Eu estava ao mesmo tempo dentro e fora, encantado e repelido pela variedade inesgotável da vida.” Propositalmente ou não, ele está citando Whitman quase que de forma literal (“tanto d
entro quanto fora do jogo, assistindo-o e sendo admirado por ele”), e o “assombro” — o instinto, a necessidade e a capacidade de maravilhar-se — é tão importante para Nick quanto para outros tantos escritores americanos. Assombrar-se com alguma coisa envolve e implica distância e sinaliza uma aversão ou incapacidade de participar — uma rejeição (se não um temor) de todo o calor, o suor e a vida, e tem-se a impressão de que Nick, apesar de seus arrependimentos, de certa forma prefere o papel de “observador casual naquelas ruas cada vez mais escuras”. Uma diferença com relação a Whitman é sua predisposição quase idêntica à “repulsa”. Quando Nick não está encantado, é provável que esteja começando a sentir repugnância. A despeito da aparente racionalidade e da propalada imparcialidade de seu tom, o relato de Nick sobre Gatsby é gerado pela tendência de se mover entre esses dois extremos. Trata-se de uma oscilação bastante americana.
De início, Nick se apresenta, de modo bastante explícito, como alguém que possui um “senso fundamental de decência” acima da média, aqui expresso no desejo de “que o mundo estivesse uniforme e num estado constante de vigilância moral”. Será que ele se sentira atraído por Jordan Baker porque, com seu porte ereto e corpo masculinizado (“esguia e de seios pequenos”), ela parecia um “jovem cadete”? Seja como for, é evidente que ele tem uma natureza algo autoritária e um instinto avançado de disciplina, higiene e ordem, como ele prontamente admite (é parte de seu charme como narrador). Às vezes ele se mostra quase puritano, um rematado “careta”. Ele prefere que exista certa uniformidade na vida. De fato, num momento particularmente embaraçoso na casa dos Buchanan, ele admite: “a vontade que eu tinha era de chamar a polícia”. Quando decide terminar com Jordan Baker, ele explica seus motivos em termos domésticos: “Mas eu queria deixar as coisas em ordem e não apenas confiar que esse mar prestativo e indiferente levaria para longe a bagunça que deixei para trás”. (Podemos observar, contudo, que ele não se importou quando um elemento desconhecido levou para longe um de seus envolvimentos anteriores.) A aversão manifesta de Nick pela “recusa” e sua leve compulsão por limpeza se revelam em inúmeras ocasiões, das quais citarei apenas duas.
O Grande Gatsby (Penguin) Page 2