Logo ao chegar, fiz uma tentativa de encontrar meu anfitrião, mas as duas ou três pessoas que abordei me olharam de um jeito tão espantado, negando com tanta veemência, que escapei em direção à mesa de coquetéis — o único lugar no jardim onde um homem sozinho podia ficar sem parecer perdido ou solitário.
Eu estava prestes a me tornar estrondosamente bêbado por puro constrangimento quando Jordan Baker saiu da casa e parou no alto da escadaria de mármore, ligeiramente inclinada para trás, admirando o jardim com um altivo interesse.
Fosse ou não fosse bem-vindo, achei que era hora de me ligar a alguém antes de ter que emitir comentários amigáveis aos passantes.
— Olá! — exclamei, avançando em sua direção. Minha voz pareceu ecoar exageradamente pelo jardim.
— Achei que você estaria aqui — ela respondeu, distraída, enquanto eu subia as escadas. — Lembrei que é vizinho do…
Ela segurou minha mão de forma impessoal, como se prometesse que cuidaria de mim logo mais, e deu atenção a duas garotas em vestidos amarelos idênticos que estancaram ao pé da escada.
— Olá! — elas gritaram em uníssono. — Que pena que você não ganhou.
Elas se referiam ao campeonato de golfe. Na semana anterior, Jordan havia sido derrotada justamente na final.
— Você não se lembra da gente — disse uma das garotas de amarelo —, mas nós nos conhecemos aqui há mais ou menos um mês.
— Vocês tingiram o cabelo — observou Jordan, ao que eu fiz menção de partir, mas as garotas já haviam saído naturalmente de cena e seu comentário se dirigiu à lua prematura, sem dúvida oferecida pelo mesmo fornecedor do jantar. Com o esguio e bronzeado braço de Jordan atrelado ao meu, descemos a escada e passeamos pelo jardim. Um rastro de coquetéis flutuou em nossa direção através do crepúsculo, e nos sentamos numa mesa com as duas garotas de amarelo e três homens, todos eles apresentados a nós como sr. Mumble.
— Você vem sempre a essas festas? — perguntou Jordan à garota ao seu lado.
— A última vez foi essa em que nos conhecemos — respondeu a garota, num tom alerta e confiante. E voltou-se para a companheira: — Também foi a sua última, não é, Lucille?
Sim, havia sido a última também para Lucille.
— Gosto de vir aqui — declarou Lucille. — Não importa o que eu faça, sempre me divirto muito. Da última vez, rasguei meu vestido numa cadeira e ele pediu meu nome e endereço; uma semana depois, recebi um pacote da Croirier’sa com um vestido de noite.
— Você ficou com ele? — perguntou Jordan.
— Claro. Eu ia usá-lo hoje à noite, mas ficou largo no busto e precisei mandar ajustar. É de um azul vaporoso com contas de cor lavanda. Duzentos e sessenta e cinco dólares.
— Há algo de estranho em alguém que faz uma coisa dessas — disse a outra garota, entusiasmada. — Ele não quer arrumar encrenca com ninguém.
— Quem? — eu perguntei.
— Gatsby. Ouvi dizer…
As duas garotas e Jordan se aproximaram, como se guardassem segredo.
— Ouvi dizer que ele matou um homem.
Um arrepio atingiu todos nós. Os três senhores Mumble se inclinaram para a frente e escutaram com avidez.
— Não acho que seja bem isso — discordou Lucille, cética. — É mais provável que ele tenha sido espião alemão durante a guerra.
Um dos homens concordou com a cabeça.
— Ouvi isso de um sujeito que sabia tudo sobre ele, pois foram criados juntos na Alemanha — ele garantiu categoricamente.
— Ah, não — disse a primeira garota —, não faz sentido, já que ele estava no Exército americano durante a guerra. — Tão logo nossa credulidade mudou de lado, ela inclinou-se para a frente, entusiasmada. — É só olhar bem para ele quando acha que ninguém está reparando. Aposto que matou um homem.
Ela fechou os olhos e estremeceu. Lucille estremeceu. Todos nos viramos para procurar Gatsby com o olhar. A maior prova da especulação romântica que ele inspirava eram os boatos suscitados a seu respeito até por quem não se interessava por coisa alguma neste mundo.
Já estavam servindo a primeira ceia — haveria outra após a meia-noite — e Jordan me chamou para juntar-me aos seus amigos, que se achavam em volta de uma mesa na outra ponta do jardim. Havia três casais e o acompanhante de Jordan, um persistente universitário dado a insinuações agressivas, e que sem dúvida achava que cedo ou tarde Jordan dedicaria sua atenção a ele, em maior ou menor grau. Em vez de estar dispersiva, a festa preservara uma homogeneidade majestosa e tomara para si a função de representar a sóbria nobreza do interior — os de East Egg condescendentes com os de West Egg e ressabiados de sua alegria espectroscópica.
— Vamos embora — sussurrou Jordan, ao cabo de uma improdutiva e inadequada meia hora de conversa. — Isto aqui está civilizado demais para mim.
Nós nos levantamos e Jordan explicou que iríamos procurar o anfitrião: eu não conhecia Gatsby, ela afirmou, e isso estava me deixando constrangido. O universitário assentiu de um jeito desdenhoso e melancólico.
Vasculhamos primeiro o bar, que estava lotado, mas não havia sinal de Gatsby. Do alto da escadaria, Jordan não conseguia enxergá-lo e ele tampouco estava no alpendre. Experimentamos abrir ao acaso uma majestosa porta, e fomos dar numa biblioteca gótica de pé-direito alto, revestida de carvalho inglês e provavelmente trazida por inteiro de alguma ruína de além-mar.
Um homem robusto de meia-idade, com uns óculos enormes que lhe davam um ar de coruja, estava sentado na ponta de uma mesa comprida, um tanto bêbado, encarando as estantes com a atenção difusa. Assim que entramos, ele se voltou entusiasmado para trás e examinou Jordan da cabeça aos pés.
— O que acham? — ele perguntou num impulso.
— Do quê?
Ele apontou para as estantes de livros.
— Disso tudo. Aliás, nem precisam se incomodar em ir checar. Eu já fui. São todos verdadeiros.
— Os livros?
Ele assentiu com a cabeça.
— Absolutamente verdadeiros: com páginas e tudo. Pensei que não seriam mais do que belas caixas de papelão. De fato, são totalmente verdadeiros. Páginas e… veja! Deixe-me mostrar.
Dando por certo nosso ceticismo, ele correu até uma prateleira e voltou com o primeiro volume das Stoddard lectures.3
— Viu só? — ele exclamou, em triunfo. — É um legítimo exemplar de matéria impressa. Me enganou em cheio. Esse cara é um perfeito Belasco.4 É um triunfo. Quanto esmero! Quanto realismo! Sabe quando parar, também; não chegou a cortar as páginas. Mas o que vocês queriam? O que esperavam?
Ele tomou o livro das minhas mãos e o devolveu às pressas à prateleira, alegando, aos resmungos, que a biblioteca inteira desmoronaria se um único tijolo fosse removido.
— Quem os trouxe até aqui? — ele perguntou. — Ou vocês simplesmente vieram? Eu fui trazido. A maioria das pessoas foi.
Jordan o encarou com uma expressão cautelosa e alegre, sem responder.
— Quem me trouxe foi uma mulher chamada Roosevelt — ele prosseguiu. — Senhora Claud Roosevelt. Sabem quem é? Eu a conheci em algum lugar ontem à noite. Estou bêbado há mais de uma semana, e achei que ficaria mais sóbrio se viesse descansar numa biblioteca.
— E deu certo?
— Acho que sim, um pouco. Ainda não dá para saber. Estou aqui há apenas uma hora. Já falei pra vocês sobre os livros? Eles são verdadeiros. Eles são…
— Você falou.
Apertamos a mão dele com gravidade e retornamos ao jardim.
Agora havia muita dança no palco de lona; velhos conduziam moças para trás em círculos intermináveis e desajeitados, casais altivos se enlaçavam de forma tortuosa e moderna, sempre nos cantos — e muitas garotas dançavam sozinhas ou aliviavam a orquestra por um instante do fardo do banjo ou da percussão. Por volta da meia-noite, a hilaridade aumentara. Um famoso tenor se apresentara em italiano e uma renomada contralto recorrera ao jazz e, entre as apresentações, as pessoas exibiam suas coreografias por todo o jardim
, enquanto alegres e fúteis explosões de riso se elevavam no céu de verão. Duas artistas gêmeas, que eram ninguém menos do que as garotas de amarelo, fizeram uma performance fantasiadas de bebês, e serviu-se champanhe em taças maiores que tigelas para lavar os dedos. A lua se erguera no céu e havia um triângulo de escalas prateadas flutuando no estreito, estremecendo com o duro e metálico som dos banjos no gramado.
Eu ainda estava com Jordan Baker. Fomos parar numa mesa com um homem que parecia da minha idade e uma garota escandalosa, que irrompia em gargalhadas incontroláveis diante da mais ínfima provocação. Agora eu estava me divertindo. Havia tomado duas tigelas de champanhe e, diante de meus olhos, a cena se transformara em algo significativo, básico e profundo.
Interrompendo o espetáculo, o homem olhou para mim e sorriu.
— Seu rosto não me é estranho — ele disse educadamente. — Você foi da Primeira Divisão durante a guerra?5
— Ora, fui sim. Do Vigésimo Oitavo Batalhão de Infantaria.
— Estive no Décimo Sexto Batalhão até junho de 1918. Sabia que já tinha te visto em algum lugar.
Ficamos conversando por um tempo sobre os vilarejos chuvosos e cinzentos da França. Ele certamente morava nas redondezas, pois me contou que havia acabado de comprar um hidroavião6 e iria testá-lo na manhã seguinte.
— Quer vir comigo, meu velho? Vai ser perto da praia, junto ao estreito.
— Que horas?
— No horário que for melhor para você.
Estava prestes a perguntar seu nome quando Jordan olhou em volta e sorriu.
— Está se divertindo agora? — ela perguntou.
— Muito mais. — Voltei-me para o meu interlocutor: — É uma festa bastante estranha para mim. Ainda não conheço o anfitrião. Eu moro ali — apontei para a cerca invisível à distância — e esse tal de Gatsby mandou seu motorista me trazer um convite.
Por um momento, ele olhou para mim como se não estivesse entendendo.
— Eu sou Gatsby — exclamou de repente.
— O quê? — retruquei. — Puxa, me desculpe.
— Achei que você soubesse, meu velho. Sinto muito, não sou um anfitrião lá muito bom.
Ele sorriu de forma compreensiva — muito mais que compreensiva. Era um daqueles raros sorrisos com o ar de eterno consolo, do tipo que você só encontra umas quatro ou cinco vezes na vida. Parecia encarar a eternidade do mundo inteiro por um instante, e então se concentrava em você com uma irresistível tendência a seu favor. Parecia compreendê-lo até o ponto em que você desejava ser compreendido, confiar o tanto que você gostaria de confiar em si mesmo, e assegurá-lo de haver transmitido exatamente a impressão que, em seu melhor momento, você desejaria passar. Naquele ponto específico, o sorriso desapareceu — e eu me vi diante de um jovem rude, porém elegante, de pouco mais de trinta anos, cuja elaborada formalidade ao conversar quase incorria no absurdo. Antes mesmo de Gatsby revelar-se, tive a forte impressão de que ele escolhia as palavras com cuidado.
Quase ao mesmo tempo que o sr. Gatsby se identificou, surgiu um mordomo com a informação de que havia um telefonema de Chicago à sua espera. Ele pediu licença com uma discreta mesura dirigida a cada um de nós, em separado.
— Se precisar de alguma coisa, é só pedir, meu velho — ele me garantiu. — Com licença. Tornarei a vê-los mais tarde.
Quando ele foi embora, voltei-me imediatamente para Jordan, como se incapaz de disfarçar minha surpresa. Eu esperava que o sr. Gatsby fosse um sujeito de meia-idade corpulento e ruborizado.
— Quem é ele? — perguntei. — Você sabe?
— É só um homem chamado Gatsby.
— Quer dizer, de onde ele vem? E o que ele faz?
— Quer dizer que você também aderiu ao tema? — ela respondeu, com um sorriso exausto. — Bem, ele me disse uma vez que estudou em Oxford.
Um cenário indistinto começou a tomar forma em minha mente, mas se desfez diante de seu comentário seguinte.
— Em todo caso, eu não acredito.
— Por quê?
— Não sei direito — ela insistiu —, só acho que ele não estudou lá.
Algo em seu tom de voz me fez lembrar a frase “Me disseram que ele matou um homem” da outra garota, e teve o efeito de aguçar minha curiosidade. Eu teria acatado sem pestanejar a informação de que Gatsby emergira dos pântanos da Louisiana ou do Lower East Side, em Nova York. Aquilo seria compreensível. Mas, segundo a minha inexperiência provinciana, um homem não sai do nada e compra um palácio no estreito de Long Island.
— Em todo caso, ele dá essas festas enormes — disse Jordan, mudando de assunto com todo o seu desprezo urbano pelo concreto. — E eu gosto de festas enormes. Elas são tão íntimas. Nas festas pequenas não há nenhuma privacidade.
Ouviu-se um estampido de bumbo e a voz do líder da orquestra abafou toda a ecolalia do jardim.
— Senhoras e senhores — ele anunciou. — A pedido do senhor Gatsby, iremos tocar a peça mais recente do senhor Vladmir Tostoff, que chamou tanto a atenção no Carnegie Hall em maio. Se vocês leem os jornais, sabem que foi uma grande sensação. — Ele sorriu com jovial condescendência, acrescentando: — E que sensação! — ao que todos deram risada.
— Esta peça é conhecida como “A história do mundo em forma de jazz” — ele concluiu, entusiasmado.
A natureza da composição do sr. Tostoff me escapou de todo, pois, desde o começo, meus olhos se detiveram em Gatsby, sozinho e de pé na escadaria de mármore, olhando de um grupo para o outro com ar de aprovação. Sua pele bronzeada cobria o rosto de forma atraente e seu cabelo curto parecia sempre recém-aparado. Eu não conseguia vislumbrar nada de sinistro nele. Fiquei imaginando se o fato de Gatsby estar sóbrio o ajudava a distanciar-se dos convidados, pois parecia que ele se tornava mais correto conforme a hilaridade fraternal aumentava. Quando “A história do mundo em forma de jazz” terminou, muitas garotas apoiaram a cabeça nos ombros dos homens de um jeito infantil e amigável, ou fingiram desmaiar em seus braços alegremente, até mesmo em grupos, sabendo que alguém as impediria de cair — mas ninguém fingiu desmaiar nos braços de Gatsby, nenhum cabelo curto de moça tocou seu ombro, e nenhum quarteto de cantores se formou ao redor dele.
— Com licença.
De súbito, o mordomo de Gatsby estava de pé ao nosso lado.
— Senhorita Baker? — ele perguntou. — Por gentileza, o senhor Gatsby gostaria de falar com você em particular.
— Comigo? — ela exclamou, surpresa.
— Sim, madame.
Ela se levantou devagar, erguendo as sobrancelhas com espanto, e seguiu o mordomo em direção à casa. Notei que, metida em seu vestido de noite, aliás em todos os tipos de vestido, ela se portava como se estivesse em traje esportivo — havia certo desprendimento em seus movimentos, como se ela tivesse aprendido a andar num campo de golfe em uma manhã clara e revigorante.
Fiquei sozinho e já eram quase duas horas. Por algum tempo, ruídos intrigantes e confusos emanaram de uma sala comprida e cheia de janelas logo acima do terraço. Despistando o universitário de Jordan, que agora se ocupava numa conversa obstétrica com duas coristas e implorava a minha presença, fui para dentro da casa.
O salão estava lotado. Uma das garotas de amarelo tocava piano, e a seu lado havia uma cantora alta e ruiva, integrante de um famoso coro. Ela bebera grandes quantidades de champanhe e se convencera inoportunamente, no decorrer da canção, de que tudo era muito triste — de modo que não estava só cantando, mas também chorando. Ela preenchia as pausas da canção com arfadas e soluços entrecortados, para então retomar a letra num trinado agudo. As lágrimas jorravam pelo seu rosto — mas não com tanta liberdade, pois, ao tocarem seus cílios pesadamente viscosos, adensavam-se em pingos de tinta e percorriam o resto do caminho em vagarosos filetes negros. Alguém sugeriu com graça que ela estava cantando as notas que se desenhavam em seu rosto, ao que ela lançou as mãos para o céu, afundou na cadeira e caiu num sono etílico.
— Ela brigou com um homem que diz ser seu marido — explicou u
ma garota atrás de mim.
Olhei ao redor. Muitas das mulheres remanescentes brigavam com homens que se diziam seus maridos. Mesmo a turma de Jordan, o quarteto de East Egg, fora desmembrado pela divergência. Um dos homens manifestou um interesse incomum pela conversa de uma jovem atriz, de modo que sua esposa, após tentar rir da situação de forma digna e indiferente, descontrolou-se de todo e passou a desferir ataques laterais — de vez em quando, ela aparecia subitamente ao seu lado feito um diamante furioso e gritava em seu ouvido: “Você prometeu!”.
A relutância em voltar para casa não se restringia aos maridos voluntariosos. O vestíbulo era agora ocupado por dois homens lamentavelmente sóbrios e suas exaltadas esposas. Elas se solidarizavam num tom de voz inflamado.
— Sempre que ele vê que estou me divertindo, diz que é hora de irmos embora.
— Nunca ouvi nada tão egoísta na minha vida.
— Nós sempre somos os primeiros a ir embora.
— Nós também.
— Bem, hoje somos praticamente os últimos — disse um dos homens com docilidade. — A orquestra saiu há meia hora.
Apesar do consenso feminino de que esse tipo de maldade beirava as raias do absurdo, a discussão terminou com uma briga curta e ambas as esposas foram arrastadas para fora, esperneando.
Enquanto eu esperava meu chapéu no vestíbulo, a porta da biblioteca se abriu e Jordan Baker e Gatsby saíram de lá. Ele ainda lhe dizia umas últimas palavras, mas seu ânimo se retesou abruptamente em formalidade quando várias pessoas o abordaram para se despedir.
A turma de Jordan a chamava com impaciência do pórtico, mas ela se deteve por um instante para trocar cumprimentos.
O Grande Gatsby (Penguin) Page 10