outros pensam de m im ? E se eu não ganhar um presente no Dia dos Nam orados?
É pura vaidade. Quem eu preciso im pressionar?
— Não sei. Acredito que o Dia dos Nam orados é um a data para se sentir
especial — disse ele enquanto pegava um a flor do vaso grande. — Acredito que
toda garota deva se sentir especial de vez em quando, até m esm o você, Bianca.
— Ele se aproxim ou e pôs a flor atrás da m inha orelha.
Tentei convencer a m im m esm a que tudo aquilo era um a grande bobagem
m elodram ática. Se qualquer outro cara — Wesley, por exem plo — tivesse
tentado fazer algum a coisa parecida, provavelm ente eu teria dado um tapa em
sua cara ou rido dele. Porém , a única reação que tive foi sentir o rosto
enrubescer enquanto os dedos de Toby roçavam m inha pele. Não era um cara
qualquer. Era Toby Tucker. O perfeito, m aravilhoso, adorável Toby Tucker.
Talvez o Dia dos Nam orados pudesse ser suportável m esm o a um a Duff,
afinal de contas.
— Vam os lá — disse ele —, escolha um a pilha e vam os com eçar a distribuir
os presentes.
— Hum … certo.
Nós poderíam os ter entregado aquela pilha inteira antes do fim do prim eiro
período se a secretária não continuasse a trazer m ais e m ais presentes para a
m esa cor de vôm ito. Com eçou a ficar claro para m im e para Toby que iríam os
trabalhar até a hora do alm oço.
Não que eu m e im portasse em passar a m anhã com ele.
— Não quero soar precipitado — disse ele quando voltávam os para a m esa,
apenas cinco m inutos depois do sinal do alm oço —, m as acredito que
term inam os.
Alcançam os a m esa vazia e sorrim os um para o outro, apesar de m eu
coração estar partido.
— Isso é tudo — falei. — Entregam os os últim os presentes.
— Isso m esm o. — Toby se inclinou por cim a da m esa. — Quer saber, estou
feliz que a obrigaram a aj udar. Eu ficaria entediado se precisasse fazer isso
sozinho. Conversar com você foi divertido.
— Pra m im tam bém — respondi, evitando soar m uito entusiasm ada.
— Olha só — disse ele —, você não devia sentar no fundo da sala durante a
aula de organização política avançada. Por que você não pega um a das carteiras
que ficam atrás de Jeanine e de m im ? Não existe m otivo pra você ficar lá no
fundo. Acho que você devia se j untar a nós… aos nerds da prim eira fileira.
— Talvez. — É claro que eu ia fazer isso. Com o poderia recusar um pedido
de Toby Tucker?
— Bianca Piper? — A secretária se aproxim ou de nós. Não havia flores ou
caixas de doces em suas m ãos dessa vez. — Bianca, alguém veio pedir pra você
sair m ais cedo hoj e. Vieram buscá-la.
— Ah… — falei. — Tudo bem . — Estranho. Eu tinha carro. Não precisava
que ninguém viesse m e buscar.
— Vej o você m ais tarde, Bianca — disse Toby, enquanto eu seguia a
secretária para sua m esa na porta de entrada. — Feliz Dia dos Nam orados!
Acenei antes que ele saísse do m eu cam po de visão, tentando lem brar se eu
tinha algum a consulta m édica m arcada para aquele dia ou algum a coisa assim .
Por que alguém pediria que eu saísse da escola m ais cedo? Antes que eu pudesse
im aginar todas as tragédias fam iliares possíveis, a resposta m e atingiu com o um a
parede de tij olos, e fiquei estática.
Ai. Meu. Deus.
Ela estava parada em frente à m esa da recepção com o se tivesse saído de
um a produção em algum canto de Holly wood. Cabelos loiros, com m echas m ais
claras de sol caindo gentilm ente sobre os om bros em ondas perfeitas. Usava um
vestido j usto um pouco m ais curto, acim a dos j oelhos (sem m eia-calça, é claro)
e um par de saltos altos. Óculos escuros escondiam seus olhos — olhos que eu
sabia que eram verdes. Ela ergueu os óculos e se virou para olhar o m eu rosto.
— Oi, Bianca — disse a bela m ulher.
— Oi, m ãe.
capítulo 14
Eu podia ver seu nervosism o pela form a com o ela andou na m inha direção.
Parecia abalada, e seus olhos estavam arregalados, com um a expressão que eu
só podia associar ao m edo. Havia um bom m otivo. Diferentem ente de m eu pai,
eu sabia que o envio dos papéis do divórcio era escolha dela — e a odiava por
isso. Por não avisar nenhum de nós. Eu a encarei com um olhar de advertência e
m e afastei quando ela se aproxim ou de m im . Isso deve ter confirm ado suas
preocupações, porque ela desviou o olhar para o chão, fixando os olhos na ponta
de seus sapatos de salto.
— Senti sua falta, Bianca — disse m inha m ãe.
— É claro que sentiu.
— Assinou os papéis de dispensa, sra. Piper? — perguntou a secretária,
voltando para sua cadeira atrás do balcão da recepção.
— Sim , assinei — confirm ou m inha m ãe. Sua voz era suave e tinha um tom
natural. — Então estam os livres para ir em bora?
— Sim , ela está liberada. — A secretária deu um a risadinha, m exeu no
cabelo e disse: — Gostaria que você soubesse que com prei seu livro. Ele tem sido
de grande aj uda para m im , poderia dizer até que salvou m inha vida. Releio todo
m ês!
Minha m ãe abriu um sorriso.
— Olha só, m uito obrigada! Interessante encontrar um a das dez pessoas que
realm ente leram m eu livro.
A secretária sorriu de volta.
— Ele m udou a m inha vida.
Revirei os olhos.
Todo m undo am ava m inha m ãe. Divertida, inteligente e arrasadoram ente
bonita. Ela se parecia m uito com a Um a Thurm an — o m ais longe de ser um a
Duff que você puder im aginar. Com todas as falhas e erros escondidos por trás do
rostinho bonito, e com um sorriso capaz de fazer as pessoas acreditarem que ela
era perfeita. A secretária, que deu m ais um a risadinha e acenou para m inha m ãe
à m edida que deixávam os a escola, era apenas m ais um a tola enganada pelos
truques dela.
— Aonde exatam ente estam os indo? — Eu não m e im portava em esconder
m inha am argura. Ela m erecia.
— Ah… não sei — adm itiu m inha m ãe. Seus saltos ecoavam na calçada
enquanto cam inhava. O som parou quando alcançam os o carro, um Mustang
verm elho no qual ela parecia estar rodando havia alguns dias. Não era difícil
perceber que havia dirigido de Orange County até aqui. — Que tal um lugar
aquecido? — Ela estava tentando parecer descolada. — Meu traseiro está
congelando!
— Se você vestisse roupas decentes, não teria esse tipo de problem as. —
Quase arranquei a porta do passageiro quando a abri, e j oguei todo o lixo do
assento no chão antes de entrar no carro. — Desculpe, não estam os na Califórnia.
Faz frio por aqui.
— Ah, Califórnia. Que lugarzinho problem ático... — disse m am ãe. Ela
parecia tensa quando entrou no carro, e sua risada abobada era claram ente de
nervosism o, não de bom hum or. — Não é tão divertido quanto nos film es, sabia?
— Sério? Que estranho. Você parece estar gostando m ais de lá do que de
Ham ilton. Mas, pra você, qualquer lugar é m elhor do que aqui, não é m esm o?
A risada m orreu, o carro ficou silencioso. Mam ãe girou a chave e ligou o
m otor, saindo do estacionam ento. Finalm ente, com o veículo em m ovim ento, ela
m urm urou:
— Bianca, precisam os falar sobre isso. Não sei se você consegue entender o
tipo de problem a que estou enfrentando agora.
— Com certeza, parece um a fase bem difícil, m ãe — provoquei. — Por
sinal, belo bronzeado. Orange County parece ser o inferno na Terra. Não sei
com o você consegue viver naquele lugar.
— Bianca Ly nne Piper, não vou aceitar esse com portam ento vindo de você!
— ela gritou. — Ao contrário do que você parece estar pensando, eu ainda sou
sua m ãe e m ereço ser tratada com respeito!
— Sério m esm o? — rosnei em resposta. — Com o o respeito que você teve
pelo m eu pai ao enviar a papelada do divórcio sem sequer prepará-lo? Ou a
m im ? Pelo am or de Deus, m ãe! Qual é o seu problem a?
Mais alguns instantes de silêncio.
Eu sabia que esse tipo de discussão não nos levaria a lugar algum . Sabia que
devia ouvir o que m inha m ãe tinha a dizer, ver as coisas sob seu prism a e dividir
m eus sentim entos de form a racional. Eu havia assistido a m uitos episódios de Dr.
Phil para entender que precisávam os entrar em um acordo, m as a realidade é
que não queria um . Egoísta, infantil, im atura… Posso ter sido tudo isso, porém a
expressão do m eu pai, rodeado pelas garrafas vazias que eu havia recolhido na
sem ana passada, e a m aldita papelada do divórcio não saíam da m inha cabeça.
Ouvir? Entender? Ser racional? Com o isso poderia sequer ser um a opção? Ela era
m ais infantil e im atura do que eu. A única diferença era que sabia esconder
m elhor.
Eu a escutei respirar fundo antes de parar o carro no acostam ento. Ela
desligou o m otor sem dizer um a palavra, e eu desviei o olhar para os cam pos
vazios que se estendiam à nossa frente; estariam cobertos de m ilho assim que o
verão chegasse. O céu cinzento de fevereiro falava por nós. O frio. A falta de
vida. Um dia desperdiçado. Um dia perdido. Um esforço desnecessário. Eu não
com eçaria a conversa. Era a chance da m inha m ãe ser a adulta, ao m enos um a
vez na vida.
Os segundos passavam . O único som audível no carro era nossa respiração.
Mam ãe se m exia com o se estivesse prestes a dizer algum a coisa, m as seus lábios
se fechavam antes que qualquer som escapasse. Esperei.
— Bianca… — com eçou ela. Passaram -se cinco m inutos até que enfim
continuasse: — Eu sinto m uito, m uito m esm o.
Eu não disse um a palavra.
— Eu não queria que acabasse assim . — A voz dela falhava, m as eu não
virei o rosto para ver se estava chorando. — Não m e sentia feliz há m uito tem po.
Quando sua avó m orreu, seu pai sugeriu que eu fizesse um a viagem . Achei que a
ideia poderia funcionar. Escapar um pouco, dar algum as palestras em lugares
diferentes e voltar. Pensei que, ao voltar, tudo ficaria bem novam ente, com o era
antes, com o era quando ele e eu nos casam os. Mas…
Seus longos dedos trem iam quando ela fechou as m ãos sobre a m inha. De
form a relutante, olhei para ela. Não havia lágrim as correndo pelo seu rosto, m as
eu podia perceber o brilho no canto de seus olhos. A represa não havia rom pido
ainda.
— Eu estava errada — disse ela. — Pensei que podia fugir de m eus
problem as, m as estava tão errada, Bianca... Não im porta aonde você vá ou o que
você faça para se distrair, a realidade alcança você. Eu voltei para casa e, depois
de alguns dias, estava sentindo tudo novam ente, então parti para m ais um a
viagem . Eu ficaria fora por um tem po um pouco m aior, agendaria m ais
palestras, iria para lugares m ais distantes… até que não havia m ais para onde ir.
Quando percebi, estava no lado oposto do país, não havia m ais para onde fugir.
Eu precisava… eu tinha de enfrentar a realidade.
— Qual realidade?
— Que eu não queria m ais o seu pai. — Ela olhou para as nossas m ãos,
ainda entrelaçadas. — Eu ainda am o m uito o seu pai, m as não com o m arido e
m ulher, não da form a com o ele m e am a. Pode soar com o um grande clichê,
m as é a verdade. Não podia continuar fingindo que tudo estava bem entre nós.
Desculpe-m e.
— Então você quer o divórcio?
— Sim .
Olhei para os cam pos vazios à m inha frente. Ainda cinzentos. Ainda frios.
— Você terá de contar ao papai — falei. — Ele ainda pensa que houve um
engano. Ele se recusa a acreditar que você… que você faria algo assim com nós
dois.
— Você m e odeia?
— Não.
A resposta não m e surpreendeu, m esm o que a negativa sim plesm ente tenha
voado da m inha boca. Eu queria odiar a m inha m ãe. Não tanto por causa do
divórcio; j á fazia um tem po que ela havia nos deixado, e a ideia de m orar com
apenas um de m eus pais não era algo que m e deixasse para baixo. E, afinal, j á
estava na hora de o divórcio ser oficializado. Eu queria ter o poder de odiá-la pelo
m eu pai. Pela dor que ela estava causando a ele. Pela noite em que ele teve a
recaída.
Foi quando a verdade m e atingiu. Ela não era a culpada pela recaída de m eu
pai. Eu podia culpá-la quanto quisesse, m as isso não faria bem nenhum . Ela
precisava assum ir a responsabilidade pela vida dela, e m eu pai pela dele. Por
terem perm anecido casados, por terem deixado as coisas chegar a esse ponto nos
últim os três anos, os dois estavam vivendo em negação.
Minha m ãe finalm ente enfrentava a realidade. Meu pai teria de enfrentá-la
tam bém .
— Eu não odeio você, m ãe.
O céu estava escuro havia horas quando ela m e deixou no estacionam ento da
escola, onde estava m eu carro. Passam os a tarde dirigindo por Ham ilton,
conversando sobre tudo o que ela perdeu. Da m esm a form a que fazíam os toda
vez que ela voltava de um a turnê. A diferença era que dessa vez ela não voltaria
para nossa casa, ao m enos não para passar a noite.
— Preciso ver seu pai agora — disse m inha m ãe. — Acho que seria um a
boa se você passasse a noite com a Casey, docinho. Não tenho ideia de com o ele
vai reagir… Quer dizer, sei exatam ente com o ele vai reagir, e não vai ser bom .
Assenti, concordando, esperando estar errada — apesar de nossas definições
de não vai ser bom serem m uito diferentes. Não havia m encionado para m am ãe
que ele teve um a recaída, principalm ente porque não houve um grande dram a
pelo fato. Ela estava com m edo dos berros e das lágrim as — coisas que se
esperam de um confronto com o esse. Eu não queria que ela se preocupasse com
a bebida tam bém . Especialm ente porque não tinha sido grande coisa.
— Deus — suspirou ela —, m e sinto horrível! Estou prestes a contar para o
m eu m arido que quero m e divorciar, ainda por cim a no Dia dos Nam orados. Eu
sou um a… vaca. Talvez eu devesse esperar até am anhã e…
— Você precisa falar com ele, m ãe. Se não colocar tudo pra fora agora,
você nunca vai fazer isso. — Soltei m eu cinto de segurança. — Vo
u ligar pra
Casey e ver se posso ficar esta noite com ela. É m elhor ir agora… antes que sej a
tarde dem ais.
— Tudo bem . — Ela inspirou com força e expirou vagarosam ente. — Certo,
eu vou.
Abri a porta do Mustang e saí.
— Vai dar tudo certo.
Ela assentiu e girou a chave na ignição.
— Você não devia ser a adulta da relação — m urm urou. — Eu sou a m ãe,
eu que deveria estar confortando você, e não o contrário. Que fam ília
disfuncional.
— A funcionalidade é superestim ada. — Dei a ela um sorriso de segurança.
— Nos falam os am anhã, boa sorte!
— Obrigada, querida. Am o você.
— Tam bém am o você.
— Tchau, m eu bebê.
Fechei a porta e m e afastei. Com o m eu sorriso firm e, acenei enquanto o
pequeno Mustang verm elho m anobrava para fora do estacionam ento em direção
à autoestrada, onde hesitou com o se debatesse se devia ou não prosseguir. Mas
m inha m ãe acelerou. Eu continuei acenando.
Assim que o carro sum iu da m inha vista, perm iti que, aos poucos, o sorriso
saísse do m eu rosto. Sim , eu sabia que as coisas ficariam bem . Sim , sabia que
m inha m ãe estava fazendo a coisa certa. Sim , sabia que esse era o prim eiro
passo na direção correta para m eus pais. Contudo tam bém sabia que papai não
veria dessa form a… pelo m enos não no com eço. Eu sorria para dar confiança a
m inha m ãe, m as para m eu pai eu balançava a cabeça.
Tirei as chaves do bolso traseiro e destranquei o carro. Após j ogar m inhas
coisas no banco do passageiro, entrei e fechei a porta, criando um m uro entre
m eu corpo, que trem ia de frio, e a noite de fevereiro. Por vários m inutos fiquei
lá, sentada em silêncio, tentando não pensar nos m eus pais.
Era im possível, é claro.
Enfiei m inha m ão dentro da bolsa e com ecei a rem exer entre canetas e
pacotes vazios de chiclete. Finalm ente achei m eu celular. Eu o apanhei e fiquei
com os dedos parados sobre o teclado.
Não liguei para Casey.
Esperei cham ar três vezes até que a ligação foi atendida.
— Oi, é a Bianca. Ahn… Você ainda está ocupado?
— Você está brincando com igo, né?
Eu olhava para a grande tela de televisão, sentindo m eu rosto ficar quente.
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