Duff
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quase cheio. Precisei parar na últim a fileira e correr — com m inha m ochila de
quase dez quilos nas costas — na direção da porta dupla. Claro que, quando
cheguei ao corredor principal, estava sem fôlego. Meu Deus, pensei, enquanto
arrastava m inha bunda gorda para a aula de espanhol. Não é de estranhar que eu
seja uma Duff. É deprimente como estou fora de forma.
Bem , pelo m enos os corredores estavam praticam ente vazios. O que
significava que ninguém tinha testem unhado m inha chegada patética.
— Ei, aonde você foi ontem ? — perguntou Jessica quando m e j oguei na
carteira, alguns segundos antes de o sinal tocar. — Você não estava no alm oço
nem na aula de inglês. Casey e eu ficam os m eio preocupadas.
— Saí da escola m ais cedo.
— Achei que nós três faríam os algo para com em orar o Dia dos Nam orados
em que estam os todas solteiras.
— É m eio irônico, não acha? — Suspirei e balancei a cabeça, tentando não
olhar para os grandes olhos m agoados dela. Merda, ela estava fazendo m e sentir
culpada! E eu sabia que iria pagar, de algum a form a, por desligar na cara de
Casey na noite passada. — Desculpa, Jessica. Tive um problem a ontem . Te conto
depois da aula, tá bom ?
Antes que ela pudesse dizer algum a coisa, a sra. Rom ali lim pou a garganta e
gritou:
— Silencio! Buenos días, amigos. Hoj e vam os com eçar a conj ugar no
presente progressivo, e quero avisar desde agora que é bem difícil.
E era m esm o. A sra. Rom ali passou um exercício que nos m anteve
ocupados até o final da aula. Quando o sinal tocou, eu estava m esm o com eçando
a questionar m eu gosto pelas aulas de espanhol, e não era a única.
— Ainda dá pra m udar de m atéria este sem estre? — perguntou Angela a
Jessica e a m im quando saíam os da sala.
— Não, o prazo acabou há um m ês — respondi.
— Droga.
— Tchau, Bianca! — gritou Jessica enquanto elas corriam para a aula de
quím ica. — Vej o você no alm oço!
Acenei e com ecei a seguir pelo outro corredor. Hoj e, entretanto, estava de
fato anim ada para a aula de organização política avançada. Toby Tucker tinha
pedido para eu sentar perto dele. Não seria m ais a garota solitária no fundo da
sala. Nunca pensara que isso ia m udar ou que ficaria tão feliz quando
acontecesse. O que dizer? O isolam ento autoim posto estava finalm ente
com eçando a m e incom odar.
Mas Toby não estava lá. O lugar dele estava cem por cento vazio quando
entrei na sala (pelo m enos dessa vez eu tinha chegado bem cedo, com o o sr.
Chaucer gostava), e m eu coração apertou um pouco… quer dizer, m uito. Pelo
m enos não precisei sentar sozinha. Jeanine praticam ente m e arrastou para a
frente da sala, talvez perdida sem Toby para m antê-la interessada. Ela devia ter
ficado desapontada porque eu não era tão boa para fazer com entários políticos
sarcásticos quanto seu com panheiro habitual. Tudo o que podia oferecer eram
algum as afirm ações irônicas sobre a funcionalidade do sistem a j udiciário. Meu
Deus, com o eu sentia falta de Toby !
E o sr. Chaucer, tam bém . Ele pareceu entediado com sua própria aula sem
interrupções e, m eio desanim ado, dispensou a turm a quando o sinal tocou,
fazendo bico com o um a criança pequena.
E ainda dizem que professores não têm alunos favoritos.
Fiquei aliviada de sair daquela sala de aula, que parecia fria sem os
com entários esclarecedores de Toby, até chegar ao refeitório.
A m esa de alm oço não estava exatam ente calorosa e acolhedora naquela
tarde. Casey ficou fazendo cara feia para m im durante o alm oço inteiro,
obviam ente irritada por eu ter desligado na cara dela na noite anterior. Mas
aparentem ente não o bastante para deixar de se encontrar com igo e Jessica
depois da aula para ouvir m inhas desculpas.
Eu havia prom etido que explicaria tudo depois da aula. Claro que isso quis
dizer que, no segundo em que o últim o sinal tocou, elas m e arrastaram para um
banheiro vazio e com eçaram a dizer coisas com o “Conta tudo!” e “Fala logo!”,
antes que eu pudesse respirar um a m ísera vez.
Gem i e deslizei pela parede de concreto frio até um a posição sentada.
Abracei m eus j oelhos e disse:
— O.k., o.k. Minha m ãe apareceu ontem à tarde.
— Ela voltou da viagem ? — perguntou Jessica.
— Não exatam ente. Ela só veio pra conversar com igo. Ela e m eu pai estão
se divorciando.
Jessica tam pou a boca com a m ão, chocada, e Casey aj oelhou-se do m eu
lado, pegando m inha m ão.
— Você está bem , B? — perguntou, desistindo da raiva que sentia.
— Estou bem — respondi. Eu sabia que elas ficariam m ais chateadas com
aquilo do que eu. Casey, cuj os pais haviam atravessado um divórcio longo e
am argo, e Jessica, que não conseguia im aginar nada m ais triste e perturbador.
— Foi por isso que você não deu notícia no Dia dos Nam orados, ontem à
noite? — perguntou Jessica.
— Foi — respondi. — Desculpem . Eu só… não estava com m uita vontade
de com em orar.
— Você devia ter ligado — disse Casey. — Ou ter m e contado algum a coisa
pelo telefone, ontem à noite. Eu teria escutado, você sabe.
— Sei. Mas estou bem m esm o. Era só um a questão de tem po. Já faz algum
tem po que espero isso. — Dei de om bros. — E, sinceram ente, não m e chateia
m uito. Quer dizer, vocês sabem que m inha m ãe não esteve m uito presente esses
últim os anos, então não vai m udar tanto assim . Mas ela só está aqui por alguns
dias, e é por isso que preciso ir agora. — Levantei.
— Pra onde você vai? — perguntou Casey.
— Disse a m inha m ãe que veríam os um film e j untas hoj e. — Peguei m inha
m ochila e dei um a olhada no m eu reflexo no espelho. — Desculpem . Sei que
vocês querem conversar m ais sobre isso, m as m inha m ãe vai em bora no final da
sem ana, então…
— Tem certeza de que está bem ? — perguntou Casey, cética.
Hesitei, com a m ão levantada para afastar algum as m echas castanho-
averm elhadas do rosto. Poderia ter contado a elas ali. Poderia ter contado sobre
m eu pai, sobre as garrafas de cervej a e com o eu estava confusa. Eram m inhas
m elhores am igas, afinal. Se preocupavam com igo.
Mas se eu entregasse m eu pai, o que aconteceria? E se isso se espalhasse? O
que pensariam dele? Não conseguia lidar com isso. Mesm o a ideia das m inhas
m elhores am igas j ulgando-o m e deixava desconfortável. Afinal, era m eu pai. E
aquilo não era im portante. Ele estava atravessando um a fase difícil. Não havia
nada com que se preocupar.
— Absoluta — falei, virando as costas para o espelho com um sorriso
forçado. — Mas preciso ir. Não quero deixar m inha m ãe esperando.
— Divirta-se — m urm urou Jessica, os olhos ingênuos ainda arregalados pelo
choque. Talvez eu devesse ter dado a notícia a ela com m ais cuidado.
Estava na porta do banheiro quando Casey cham ou:
— Ei, B, espera aí!
— O que foi?
— Vam os fazer
algum a coisa no fim de sem ana — sugeriu ela. — Pra
com pensar por não term os feito nada no Dia dos Nam orados. Podíam os ir todas
ao Nest. Um a Noite das Garotas vai ser divertido. Podem os até com prar sorvete
pra você.
— Claro. Ligo depois, m as preciso m esm o ir.
Com um aceno, corri para fora do banheiro. Era verdade que eu queria ver
um film e com m inha m ãe, m as não era esse o m otivo da m inha pressa. Eu tinha
algo a fazer antes.
Assim que cheguei ao carro, peguei o celular, sem perder tem po. Liguei
para aquele núm ero fam iliar e esperei a voz m asculina profissional atender.
— Você ligou para Tech Plus. Aqui quem fala é Ricky. Com o posso aj udar?
Queria falar com m eu pai. Ter certeza de que ele estava bem e lhe dizer que
íam os superar aquilo. Sabe, apenas dar um apoio. Eu sabia que ele precisava.
Depois da noite que tivera, sabia que ele devia estar tendo um péssim o dia de
trabalho. Além disso, j á que eu estava lidando com as novidades tão bem , podia
pelo m enos aj udá-lo a passar por aquele m om ento.
— Boa tarde, Ricky — falei. — Será que o sr. Piper pode atender?
— Não, sinto m uito. O sr. Piper não veio trabalhar hoj e.
Fiquei ali parada, tonta por um instante, sabendo o que aquilo queria dizer.
Mas afastei as preocupações que m e davam um aperto no coração. Ele devia
estar apenas de ressaca após um a noite ruim . Talvez aquilo fosse m ais do que
suficiente para lem brá-lo por que ele havia parado de beber, em prim eiro lugar.
Ele estaria bem am anhã.
Eu esperava que estivesse.
— Obrigada, m esm o assim — falei. — Tenha um bom dia.
Desliguei e digitei outro núm ero. Dessa vez, um a m ulher com voz clara e
anim ada atendeu:
— Alô?
— Oi, m ãe. — Forcei-m e a parecer pelo m enos m eio anim ada. Se soasse
alegre dem ais, ela saberia que havia algo acontecendo. Afinal, eu não era do tipo
j ovial. — Ainda quer assistir a um film e hoj e à noite?
— Ah, oi, Bianca! — exclam ou m inha m ãe. — Sim , parece ótim o. Escute,
querida, você falou com o seu pai hoj e? Ele está bem ? Estava tão arrasado ontem
à noite, e estava chorando quando fui em bora. — Pelo j eito com o ela falava,
pude entender que não tinha ideia de que ele tivera um a recaída e voltara a
beber. Se soubesse, a voz dela estaria m uito m ais tensa e cheia de preocupação.
Talvez até à beira do pânico. Mas m inha m ãe parecia calm a. Apenas levem ente
preocupada. O fato dela estar tão cega realm ente m e preocupou. Quer dizer, ele
tinha parado de beber há quase dezoito anos, m as m esm o assim ... Isso devia ter
passado pela cabeça dela.
Mas não seria eu que lhe daria essa notícia.
— Ele está bem . Acabei de falar com ele. Vai chegar tarde hoj e do
trabalho, então um film e vai funcionar bem pra m im .
— Ah, certo, fico feliz de ouvir isso — disse m inha m ãe. — O que você quer
assistir? Nem sei o que está passando.
— Nem eu, m as acho que um a com édia seria bom .
capítulo 16
Meu pai não estava m elhor no dia seguinte.
Nem no outro.
Voltou ao trabalho no fim da sem ana, m as eu tinha certeza de que não era a
única a notar as ressacas que levava consigo. Agora, parecia sem pre haver
cervej a ou uísque pela casa. Ele sem pre estava desm aiado no sofá ou trancado
no quarto. E nunca falava disso com igo. Com o se eu não notasse. Eu devia
ignorar aquilo? Fazer de conta que o problem a não existia?
Queria dizer algum a coisa. Queria lhe pedir para parar. Dizer que ele estava
com etendo um erro enorm e. Mas com o? Com o é que um a garota de dezessete
anos convence o pai de que sabe o que é m elhor para ele? Se eu tentasse fazê-lo
parar, ele podia ficar na defensiva. Podia im aginar que eu o havia abandonado
tam bém . Podia ficar com raiva de m im .
Com o m eu pai tinha parado de beber antes do m eu nascim ento, eu, de fato,
não sabia m uita coisa sobre o processo de desintoxicação. Sabia que ele teve um
padrinho. Um suj eito alto e calvo de Oak Hill para quem m inha m ãe sem pre
m andava cartões de Natal quando eu era criança. Meu pai não falava m ais dele,
e eu tinha certeza de que, m esm o que tentasse, não conseguiria encontrar seu
telefone. E, ainda que conseguisse, o que dizer? Com o esse negócio de padrinho
funcionava?
Eu m e sentia im potente e inútil, e, m ais do que qualquer coisa,
envergonhada. Sabia que, com m inha m ãe longe, cabia a m im fazer um a
tentativa. Só não tinha ideia de por onde com eçar.
Então, nas sem anas que se seguiram à viagem da m inha m ãe para o
Tennessee, passei a m aior parte do tem po evitando m eu pai. Nunca vira papai
bêbado e, por isso, não sabia o que esperar. Tudo o que eu tinha para m e basear
eram os trechos de conversa que ouvia quando criança. Papai tinha sido um cara
nervoso. Com um tem peram ento difícil. Não conseguia im aginar isso vindo do
m eu pai, nem queria passar a conseguir em um futuro próxim o. Então eu ficava
no m eu quarto, e ele ficava no dele.
Ficava tentando m e convencer de que tudo ia passar. Enquanto isso,
guardava o pequeno segredo dele com igo. Felizm ente, m inha m ãe era crédula o
suficiente para acreditar em m im , toda vez que eu dizia no telefone que tudo
estava bem , apesar do m eu pouco talento para o palco.
Sinceram ente, achei que esconder m eus segredos de Casey seria a parte
m ais difícil. Ela sem pre conseguia ver através de m im , afinal. Prim eiro tentei
evitá-la, ignorando suas ligações e inventando desculpas quando ela m e cham ava
para fazer algum a coisa. Acabei não ligando para conversar sobre a Noite das
Garotas que ela m encionara no banheiro. Tinha certeza de que ela iria m e
bom bardear de perguntas no instante em que m e flagrasse sozinha e, por isso,
tentava usar a coitada da Jessica, que não estava entendendo nada, com o escudo
protetor. Mas, depois de um a sem ana, com ecei a ter a estranha sensação de que
Casey era quem estava se m antendo afastada de mim.
Ela passou a m e ligar cada vez m enos.
Parou de perguntar se eu queria ir ao Nest nos finais de sem ana. Até trocou
de lugar com Jeanine no alm oço, sentando-se do outro lado da m esa — tão longe
de m im quanto possível. Um a ou duas vezes eu até a flagrei m e olhando de um
j eito esquisito.
Queria saber qual era a droga do problem a dela, porém fiquei com m edo de
confrontá-la. Sabia que, se falássem os daquilo, eu não seria capaz de continuar
m entindo a respeito do m eu pai. Não para ela. Mas aquilo era o segredo dele, a
vergonha dele, não cabia a m im contar. Não deixaria que ninguém , nem m esm o
Casey, descobrisse.
Então fui obrigada a deixar rolar por um tem po aquela esquisitice suprem a.
Foi Wesley quem m e fez atravessar aquelas sem anas. Um a parte de m im
estava horrorizada com igo, m as o que eu poderia dizer? Precisava daquela fuga
— daquele atordoam ento — m ais do que nunca, e ele estava a apenas alguns
m inutos de carro. Um a dose, três ou quatro vezes por sem ana, era tudo de que eu
preci
sava para m e m anter sã.
Meu Deus, eu estava agindo com o um a viciada. Talvez m inha sanidade j á
tivesse m e abandonado.
— O que você faria sem m im ? — perguntou ele um a noite. Estávam os
enrolados nos lençóis de cetim em sua cam a gigante. Meu coração ainda estava
acelerado enquanto eu voltava do êxtase do que acabáram os de fazer, e ele não
estava aj udando ao deixar os lábios tão perto do m eu ouvido.
— Viveria um a vida feliz… m uito feliz — m urm urei. — Eu poderia até…
ser otim ista… se você não estivesse por perto.
— Mentirosa. — Ele m ordeu o lóbulo da m inha orelha, de brincadeira. —
Você seria totalm ente infeliz. Adm ita, Duff. Sou o vento sob suas asas.
Mordi o lábio, m as não consegui conter a risada — bem na hora em que eu
estava recuperando o fôlego.
— Você acabou de citar Bette Midler… na cam a. Estou com eçando a
questionar sua sexualidade, Wesley.
Wesley m e olhou com um brilho desafiador nos olhos.
— Ah, é m esm o? — Ele deu um sorriso breve antes de levar a boca de volta
à m inha orelha e sussurrar: — Am bos sabem os que m inha m asculinidade nunca
esteve em questão… Acho que você só está m udando de assunto porque sabe que
é verdade. Sou a luz da sua vida.
— Você… — Lutei para achar as palavras enquanto Wesley encostava a
boca na curva do m eu pescoço. A ponta da língua dele desceu pelo m eu om bro e
fez m eu cérebro ficar todo enevoado. Com o eu podia discutir daquele j eito? —
Você bem que queria isso. Estou apenas usando você, lem bra?
A gargalhada dele foi abafada, j unto da m inha pele.
— Que divertido — disse ele, os lábios ainda roçando m inha clavícula. —
Porque tenho quase certeza de que seu ex j á saiu da cidade. — Um a das m ãos
dele deslizou entre m eus j oelhos. — E, no entanto, você ainda está aqui, né? —
Os dedos dele com eçaram a alisar a parte interna da m inha coxa, dificultando
m inha busca por um a resposta. Ele pareceu gostar daquilo, porque riu de novo.
— Acho que você não m e odeia, Duff. Acho que você gosta m uito de m im .
Contorci-m e incontrolavelm ente enquanto as pontas dos dedos de Wesley
dançavam na parte interna da m inha perna. Queria tanto discutir, m as ele estava